segunda-feira, 28 de junho de 2010

Esquizofrenia moral em tempos de calamidade

É desesperador quando bate uma noção da realidade que vivem hoje os animais não humanos do mundo. Não é fácil interceptar essa noção, só acontece às vezes (de fato, parece ser quase tão difícil quanto captar a noção da morte, especificamente aquela em que não se espera que exista nada além).


A situação é tão urgente quanto grave. Cerca de oito vezes mais animais do que a população humana do mundo são continuamente sujeitos a maus tratos, exploração, confinamento, morte - todo ano. A cada minuto, a cada expiração e inspiração que damos, uma quantidade inconcebível de animais sofre horrorosamente... Sangra, é amputado, perde o filho, é castrado a sangue frio, perde a mãe, recebe um ferro quente, padece de uma doença dolorosa, leva porrada, tenta abrir as asas e não consegue, tenta de novo e não consegue, tenta no dia seguinte e novamente não consegue, entra em psicose pela permanente dificuldade de se mexer...


O que é isso que vivemos hoje, agora, senão um momento de calamidade, de emergência? Um mundo em que 50 bilhões de seres sencientes são injustiçados dessa forma não se pode considerar civilizado, não pode sequer se considerar aceitável ou minimamente tolerável. A injustiça que, globalmente, se comete hoje é no mínimo comparável àquela que se infligiu em quase qualquer dado momento da história das civilizações, nas guerras, regimes totalitários, repressivos e de escravidão.


Será que, se existíssemos nos períodos em que tais abusos ocorreram de forma generalizada, algum de nós ficaria confortavelmente sentado na sua cadeira, vivendo como se o mundo fosse justo, ou como se fosse injusto mas você não pudesse fazer nada por isso? Será que dormiríamos em paz, nos omitindo diante (ou até agindo em favor) de uma realidade flagrante que destroça todos os alicerces da nossa ética, compaixão, respeito e bom senso?? Por que, então, conseguimos fazer isso hoje?




Por Deus, será que negaríamos o caráter de calamidade se essa realidade fosse majoritariamente com cachorrinhos dóceis, em vez de com porcos, bois, ovelhas, galinhas e mais galinhas?


Será que a nossa espécie, com a cognição mais sofisticada do mundo, é tão limitada e primitivamente emocional a ponto de não se impor a óbvia constatação de que cães e porcos merecem o mesmo respeito? Que cegueira é essa??


Peço desculpas se neste texto fujo um pouco à proposta e ao estilo deste blog, mas fui invadido por uma terrível inquietude, uma sensação de estarmos profundamente enganados (até mesmo aqueles que protegem animais) por viver este mundo como se ele não fosse "tão mal", como se não estivéssemos em meio a uma calamidade dramática e inadmissível. Porque acredito que estamos. Este mundo é, sim, mais ou menos "tão mal" quanto o mundo da escravidão humana, o mundo da Segunda Guerra e do holocausto, o Brasil pós golpe de 64 e qualquer outro espaço e tempo em que se tenham cometido tamanhas injustiças, barbaridades e impropérios.